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sábado, 30 de outubro de 2010

Crise de Valores

Parece que o mundo está de pernas para o ar. Olhamos para os lados e vemos que os bons não chegam a lado nenhum. E enquanto isso, “os espertos”, os desonestos e os indolentes quase sempre arranjam um "jeitinho" de passar a perna nos outros e levar a melhor.

Em pleno século XXI, quase toda a sociedade considera que existe uma crise de valores, ou pelo menos a falência dos tradicionais. Mas desde sempre esta consciência de crise de valores existiu, numa perspectiva geográfica mais restrita e sem as dimensões de generalização como sucede hoje. A globalização económica, o individualismo e o relativismo, a par do progresso tecnológico, aceleraram a tomada de consciência de crise de valores por parte da população.

Por um lado esbateram-se ou já não existem mesmo critérios seguros para distinção do bem e do mal, do justo e do injusto, entre outras categorias morais e pessoais, imperando pois a subjectividade e o relativismo. Radicalmente, alguns vão mais longe e afirmam mesmo que já não existem sequer valores, tudo é circunstancial. O que era antes intemporal e inalterável, é agora volátil ou inconsistente, passando-se do relativismo à descrença absoluta.

A sociedade hoje em dia tornou-se mais aberta e plural, mais intercultural, assumindo melhor as diferenças, mas também tornou-se mais insegura, violenta, tendendo para a repressão e até para um individualismo egoísta e esvaziado de valores de relações interpessoais. Para muitos analistas, não existe crise, antes abertura; para outros, a maior crise é a incapacidade humana de enfrentar o problema da crise de valores, pois subsiste a ideia de que nas democracias não há valores impessoais ou suprapessoais, parecendo que cada um escolhe os seus.

É claro que nem todo mundo é desonesto, mas, diante do relaxamento dos padrões de honestidade, hoje em dia todos nós acabamos nos vendendo um pouco. As pessoas se defendem, dizendo que são honestas porque não matam nem roubam, mas fazem vista grossa para os pequenos deslizes. Se estão com pressa, estacionam o carro num local proibido ou formam fila dupla no meio da rua, atrapalhando o trânsito. A mesma coisa acontece com os atrasos -"vou chegar atrasado porque todo mundo chega" -, e assim por diante: "vou cobrar acima da inflação porque todo mundo cobra", "vou fazer um favor para ele, mas em troca quero uma vantagem para mim".

E assim, quase sem perceber, cada um de nós é um pouco culpado pelo facto de o mundo estar de pernas para o ar. Isso é o resultado dos pequenos (e dos grandes) exemplos que cada um vai dando. Pois o comportamento humano resulta do meio ambiente, que, ao transmitir exemplos e valores, confere uma visão de mundo para a pessoa. Além desse factor, existe uma predisposição genética, que constitui a índole da pessoa, mas é o meio ambiente que molda essa índole para o lado positivo ou negativo. Como exigir que nossas crianças assimilem os verdadeiros valores, se nós mesmos não damos o exemplo?

É certo que isso não depende só de nós. A inversão de valores toma conta de toda a sociedade e de suas instituições - começando na família e nas empresas e terminando nos políticos. Trata-se de uma crise de valores. Até os mais velhos, formados sob uma moral rígida, estão se acomodando.

A falta de respeito é generalizada. Muitos jovens não respeitam os adultos. E muitos adultos abusam nos cargos de comando - na família, nas empresas, nas repartições. A mesma coisa acontece com as escolas, que hoje limitam-se a informar - e não mais a formar os jovens. A crise de valores decorrente das rápidas transformações do mundo moderno é um fenómeno mundial.

Mas eu gostaria de ir um pouco mais longe. A faceta mais preocupante desta crise de valores reside no facto de nós sermos cada vez mais incapazes de enfrentar o problema da crise de valores. Temos uma grande dificuldade em falar dos valores porque se instalou entre nós a ideia de que, numa democracia, não há valores impessoais ou suprapessoais: cada um escolhe os seus valores, um pouco como os seus gostos, e, obviamente, todos aprendemos que os gostos não se discutem. Viver numa democracia, dizem-nos, é aceitar todos os valores, reconhecer igual direito à expressão de todos os valores e, mais do que isso, reconhecer a todos eles igual consideração e respeito. Proferir juízos sobre os valores dos outros é já uma manifestação de autoritarismo que tem de ser condenada.

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